Vigília de Pentecostes - Discurso do Papa Francisco na Praça de São Pedro
(Tradução: Erica Ramminger)
Primeira Pergunta das Associações Laicas
Santidade, como o Senhor pôde alcançar na sua vida a certeza da fé? E qual a estrada que se indica para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?
Resposta de Papa Francisco
Boa Noite a todos!
Estou feliz por vos encontrar esta noite e por estarmos
todos reunidos nessa praça para orar, celebrar a união e para esperar o dom do
Espírito Santo. Eu já tinha conhecimento a respeito das vossas perguntas e já
havia refletido sobre elas – isso, claro, vocês já sabiam! Primeiro, a verdade:
eu tenho suas perguntas aqui escritas.
A primeira: “como o senhor pode alcançar em sua vida a
certeza da sua fé; e qual a estrada que se indica para que cada um de nós possa
vencer a fragilidade de nossa fé?” – é uma pergunta histórica, porque se refere
a minha história, e história da minha vida.
Eu tive a graça de ter crescido em uma família cuja fé se
vivia de modo muito simples e concreto; mas foi, sobretudo a minha avó, mãe de
meu pai, que me ensinou o caminho da fé. Ela era uma mulher que nos explicava
sobre a fé, que nos falava de Jesus e que nos ensinava o catecismo. Lembro-me
sempre que toda Quinta-feira Santa ela nos levava, à noite, na procissão das
velas, e ao final da procissão chegava o “Cristo Sepultado”, e nossa avó nos
fazia (a nós, crianças) ajoelhar e nos dizia: “Olhai: está morto, mas amanhã
ressuscitará”. Eu recebi o primeiro anúncio cristão dessa mesma senhora, da minha
avó! Isso é muito lindo: o primeiro anúncio em casa, com a minha família. E
isso me faz pensar no amor de tantas mães e de tantas avós na transmissão da
fé. São elas que transmitem a fé. Isso acontecia também nos tempos antigos,
porque São Paulo dizia a Timóteo: “Eu me lembro da fé de sua mãe e sua avó”
(2Tm 1,5). Todas as mães que estão aqui presentes, todas as avós, pensem nisso!
Transmitam a fé! Porque Deus se coloca ao lado daqueles que ajudam em nosso
caminho de fé. Nós não podemos encontrar a fé no abstrato: Não! É sempre uma
pessoa que nos indica, que nos diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que
nos dá o primeiro anúncio. E assim foi a primeira experiência de fé que eu
tive.
Mas houve um dia pra mim que foi muito importante: 21 de
setembro de 1953. Eu tinha 17 anos. Era o “dia do estudante”, para nós, o dia
da primavera, para vós, é o dia do outono. Antes de ir para a festa, passei na
paróquia que eu frequentava e encontrei um padre, que eu não conhecia, e senti
necessidade de me confessar. Essa foi para mim uma experiência de encontro:
encontrei alguém que já me esperava. Não sei exatamente explicar o acontecido,
não me lembro, não sei por que exatamente aquele padre que eu não conhecia
estava lá, ou porque eu tinha sentido aquela necessidade súbita de me
confessar, mas a verdade é que alguém esperava por mim. E estava já me
esperando há tempos. Após a confissão, senti que alguma coisa em mim havia
mudado. Eu já não era mais o mesmo. Eu
tinha escutado algo como uma voz, um chamado: estava convencido que deveria me
tornar um sacerdote. Essa experiência na fé é importante. Ele está nos
esperando, Ele se antecipa. Nós, em espanhol, temos uma expressão que explica
isso bem: “O Senhor sempre nos “primerea” (se faz primeiro), Ele é sempre o
primeiro, Ele está nos esperando”. E isso é mesmo uma grande graça: encontrar
alguém que nos está esperando há muito. Tu vais pecador, mas Ele está a sua
espera para perdoar-te. Essa é a experiência que os profetas de Israel
descreveram dizendo que o Senhor é como a primeira flor da primavera (Ger
1.11-12). Antes que venham as outras flores, Ele já está ali: Ele que espera. O
Senhor nos espera. E quando nós O procuramos, encontramos esta realidade: que é
Ele que nos aguarda para nos acolher e para nos dar Seu amor. E isso leva ao
nosso coração uma maravilha tal que nos custa acreditar, e assim vai crescendo
a fé! Com o encontro com uma pessoa, com o encontro com o Senhor. Alguém dirá: “Não,
eu prefiro estudar a fé nos livros”. É importante estudá-la, mas, olhe, somente
isso não basta. O importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele, e isso
te dá fé, porque é de fato Ele que a entrega a nós. Vocês mesmos falam da
fragilidade da fé e de como fazer para vencê-la. O maior inimigo da fragilidade
- é curioso, não é mesmo? - é o medo.
Mas não tenham medo. Somos frágeis e sabemos disso. Mas Ele é mais forte. Se tu
vais com Ele, não há problema. Crianças são seres fragilíssimos – hoje vi
tantas -, mas têm seus pais, têm suas mães: estão seguras. Com o Senhor estamos
seguros. A fé cresce com o Senhor, da própria mão do Senhor; isso a faz crescer
e se tornar forte. Mas se pensarmos que podemos nos arranjar sozinhos...
Pensemos no que aconteceu a Pedro: “Senhor, eu jamais te renegarei” ( Mt
26,33-35); e depois cantou o galo, ele já O havia renegado três vezes ( vv
69-75). Pensemos: quando temos demasiada confiança em nós mesmos, somos muito
mais frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer “com o Senhor” significa dizer com a
Eucaristia, com a Bíblia, com a oração... mas também com a família, também com
as mães, porque elas são aquelas que nos levam ao Senhor; é a mãe, é aquela que
sabe de tudo. Então, orai também a Nossa Senhora e peçais que, como mãe, ela
nos torne fortes. Isso é o que penso sobre a fragilidade, ao menos é a minha
experiência. Uma coisa que me deixa forte todos os dias é rezar o Rosário a
Nossa Senhora. Eu sinto uma força tão grande, porque vou de encontro a ela e me
sinto forte.
Penso que todos nós aqui, a gente sente o desafio da
evangelização, que é o coração da nossa experiência. E, por isso, diz a
pergunta: “Como entender este desafio do nosso tempo? Qual é a coisa mais
importante? Como devemos atuar para colocar na prática esse nosso dever? Como
comunicar de modo eficaz a nossa fé, hoje?”
Eu posso dizer três palavras: a primeira é “Jesus”. O que é
mais importante: Jesus! Se nós seguimos adiante como organização, com coisas
boas, mas sem Jesus, a coisa não vai bem. Jesus é o mais importante. Mas,
agora, eu gostaria de dar uma bronca fraternal. Vocês gritaram: “Francisco,
Francisco, Papa Francisco”! Mas onde estava Jesus? Eu gostaria que vocês
gritassem: “Jesus, Jesus”! É Ele o Senhor, é Ele que está no meio de nós. Daqui
em diante, não mais Francisco; mas gritem “Jesus”!
A segunda palavra é a “Oração”. Olhar o rosto de Deus. Mas,
sobretudo, sentir-se olhado por Ele. O Senhor olha para nós. Ele nos vê antes.
E a minha experiência, que é o que eu sinto quando vou rezar na Igreja diante
do Senhor – algumas vezes eu durmo um pouquinho; um pouco de cansaço e eu me
adormeço -, mas eu sinto tanto conforto porque eu sei que Ele está olhando para
mim. E a gente fica lá, falando,
falando... mas vamos nos deixar olhar por Ele.
Isso nos dá força e nos ajuda a testemunhar. Porque a pergunta era sobre o testemunho,
não? Em primeiro lugar, Jesus, em
segundo, a oração. Quando a gente sente que Jesus está segurando a nossa
mão. O importante é deixar-nos guiar por
Ele. E isso é mais importante. Porque somos verdadeiros evangelizadores quando
nos deixamos guiar por Ele. Em algum momento, talvez eu estava dormindo um
pouquinho, à tarde, e eu tive aquela visão de um lençol com todos os animais
(os animais impuros) e ele (Pedro) viu que o Espírito Santo estava lá. Pedro se
deixou guiar, então, por Jesus para chegar até aquela primeira evangelização.
Isso era impensável naquele tempo. Deixar-se guiar por Jesus. Ele é o nosso
líder.
O terceiro ponto é o “Testemunho”. Então: Jesus, oração –
deixar-nos guiar por Ele – e, depois, o testemunho. Esse deixar-se guiar por Ele nos causa surpresa.
A gente pode pensar a evangelização, a
gente pode botá-la na mesa, fazer contas, fazer estratégias... mas isso é um
pequeno instrumento. O importante é Jesus. É deixar-nos guiar por Ele. E,
depois, a gente faz estratégias, ela é secundária. Então, o testemunho, a
comunicação da fé, que passa, sobretudo pelo testemunho. E através da luz do
amor. Não com as nossas ideias. É com o Evangelho que vivemos a nossa vida. É
como uma sinergia que o Espírito Santo faz viver dentro. É isso que faz o
testemunho. Mas a Igreja é levada adiante pelos santos. São os santos que dão
esse testemunho. Como disse João Paulo II, e Bento XVI, nós precisamos tanto de
testemunhas. Não de mestres, mas de
testemunhas. Que falem com as suas vidas. Tenham coerência nas suas vidas. Uma
coerência que vive o cristianismo como um encontro, e não como um fator social.
Não. A gente é assim socialmente, nós somos cristãos... Não! O testemunho.
Terceira Resposta do Papa Francisco.
A terceira pergunta é: como nós podemos viver uma Igreja
pobre para os pobres? E de que modo o homem que sofre é um questionamento para
nossa fé? Que contributo nós podemos dar à Igreja e à sociedade para enfrentar
esta crise tão grave que toca a ética pública? (Isso é importante). Um modelo
de desenvolvimento político, econômico. Resumindo: um novo modo de ser, homens
e mulheres.
Então vamos recomeçar a partir do testemunho. O primeiro
ponto é viver o Evangelho, que é o principal contributo que nós podemos
dar. A Igreja não é um movimento
político. E não é uma estrutura bem organizada.
Não é assim. Nós não somos uma ONG.
Quando a Igreja é uma ONG perde o sal, perde o gosto, perde o sabor. Sejam expertos, heim! Porque o diabo nos
engana. Existe o perigo do eficientismo. Uma coisa é pregar Jesus, e outra
coisa é a eficácia. Isso é um outro valor. O fundamental valor da Igreja é o
Evangelho. É o testemunho da nossa fé. O sal da terra, a luz do mundo. Chamado a ser fermento no seio da terra do
Reino de Deus. E o faz, antes de tudo,
com o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da compartilha. Quando se
ouve alguém dizer que a solidariedade não é um valor, é um comportamento
primário, que tende a desaparecer, isso não está certo. Essa é uma eficácia só mundana.
Esses momentos de crise, como os que estamos vivendo, que a gente vive num mundo de mentira: a
mentira é uma crise. Esse é um momento de crise. Mas não é uma crise só
econômica. Não é uma crise só cultural.
É uma crise do próprio homem. O que está
em crise é o homem. E o que pode ser
destruído é o homem. Mas o homem é a
imagem de Deus. Então é uma crise profunda. Nesse momento de crise a gente não
pode só se preocupar conosco mesmos; a fecharmo-nos na solidão; numa sensação
de impotência diante dos problemas. Esse risco a gente tem que evitar. A gente não pode se fechar nas associações,
nas paróquias, nos movimentos. O problema é que quando a Igreja se fecha ela
adoece. A Igreja tem que sair de si mesma. Ir aonde? Às periferias
existenciais. Jesus disse: Ide e
Pregai. Jesus pedia testemunho do
Evangelho. Se a pessoa sai na rua, pode
acontecer o que acontece com todos, pode acontecer um acidente. Mas eu prefiro
mil vezes uma Igreja que sofre um acidente do que uma Igreja doente porque está
fechada. Saia, saia. Pense também no que
diz o Apocalipse: que Jesus está na porta e chama, pede para entrar. Esse é o
sentido do Apocalipse. Então vamos nos
perguntar: quantas vezes Jesus está e pede para sair? Nós não o deixamos sair.
Porque nós estamos fechados em estruturas envelhecidas. Nós temos que ser
livres como filhos de Deus. E sair. Abrirmos as portas. E nessa saída é
importante falar do encontro. O encontro com os outros. Porque a fé é um encontro com Jesus. E a gente tem que fazer a mesma coisa. Como
Jesus nós temos que encontrar os outros. E nós vivemos uma cultura do conflito,
da fragmentação: o que eu não preciso eu jogo fora. Cultura do descartável. Vocês pensem, por
exemplo, nos idosos – que são a sabedoria -, pensem nas crianças... cultura do
descartável. Nós temos que ir ao encontro. E temos que fazer com a nossa fé uma
cultura do encontro. Uma cultura da amizade na qual encontramos irmãos. E que
podemos conversar com pessoas que pensam de modo diferente. E com pessoas que
têm outras crenças. Que não pensam como nós. Mas todos têm algo em comum: são
imagem de Deus, são filhos de Deus. Nós temos que criar encontros com todos.
Sem pensar na nossa pertença. Isso é importante. Se sairmos de nós mesmos nós
encontramos a pobreza. Isso machuca o coração. Hoje, encontrar um sem-teto
morto de frio não faz mais notícia. Notícia são escândalos. Escândalo, sim, que
é notícia. Hoje, pensar que muitas crianças não têm o que comer não é notícia.
Isso é grave. A gente não pode ficar tranquilo. “Ah, as coisas são assim”. Nós
não podemos ser cristãos em quadradinhos, perfeitinhos, que falamos de coisas
teológicas enquanto tomamos chazinho num salão. Nós temos que ser cristãos
corajosos. Nós temos que ir procurar aqueles que são a carne de cristo. Quando
eu vou confessar eu fazia sempre esta pergunta: “Mas você dá esmola? E quando
você dá esmola você olha nos olhos da pessoa a quem você está dando? Você toca
a mão da pessoa? Ou joga a moeda e bota a mão no bolso?” É esse o problema:
tocar a carne de Cristo é assumir a dor dos pobres. Pobreza para nós cristãos
não é uma categoria filosófica, sociológica ou cultural. Não. Pobreza é uma
categoria teologal. Eu diria que é a primeira categoria. Porque aquele filho de
Deus se abaixou, se fez pobre para caminhar conosco, na nossa estrada. É esta a
pobreza. A pobreza da carne de Cristo.
Uma Igreja pobre, para os pobres, começa a andar com a carne
de Cristo. Se nós formos até a carne de Cristo, nós começamos a entender,
realmente, o que é essa pobreza. A pobreza do Senhor. E isso não é fácil. Mas
também tem um problema que não faz bem aos cristãos: o espírito mundano; a
mundanidade espiritual. É isso que nos leva a uma suficiência, a viver o
espírito do mundo, e não o espírito de Jesus.
E como enfrentar a crise que toca a ética pública, o modelo
de desenvolvimento, a política? Assim como essa é uma crise do homem, que
destrói o homem, é uma crise que subtrai a ética do homem. Faz-nos pensar que tudo é possível. A gente
vê, quando lê os jornais, que a falta de ética na vida pública faz tanto mal a
toda humanidade.
O Pontífice contou a história de um rabino do século XII que
narra a construção da Torre de Babel, onde os tijolos eram mais importantes do
que os construtores. Quando um tijolo se quebrava, era um drama e o operário
era punido. Mas se um operário se machucava, isso não era um problema. “Isso
acontece hoje: se os investimentos nos bancos caem, é uma tragédia. Mas se as
pessoas morrem de fome, não têm o que comer ou não têm saúde, não é um
problema! Esta é a nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para
os pobres vai contra esta mentalidade.”
Enfim, a quarta e última pergunta: como ajudar nossos irmãos
que sofrem por testemunhar Cristo?
Para anunciar o Evangelho, respondeu, são necessárias duas
virtudes: a coragem e a paciência. Os que sofrem estão na Igreja da paciência. "Hoje existem mais mártires do que no primeiro século. Eles levam a fé até o martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota. O martírio é o grau mais alto do testemunho". “Deve-se precisar que muitas vezes esses conflitos não têm uma origem
religiosa; frequentemente têm outras causas de tipo social e político, e
infelizmente as pertenças religiosas são usadas como gasolina no fogo". Um cristão deve sempre saber responder o mal com o bem.Vamos tentar fazer a esses irmãos e irmãs que nós estamos juntos com eles. Eles estão na paciência. Vamos rezar para esses irmãos e irmãs. Vocês estão rezando por eles nas suas orações de todos os dias? Que essa experiência deles ajude a promover a liberdade religiosa.
"Todo homem
e toda mulher devem ser livres na sua confissão religiosa, qualquer que seja.
Por que? Porque aquele homem e aquela mulher são filhos de Deus.” (Fonte:
News.Va)
Obrigado a todos vocês, e não se esqueçam: não queremos uma Igreja fechada; queremos uma Igreja que sai, que vá às periferias existenciais. Que o Senhor nos guie fora dela.
Clique aqui para assistir ao vídeo do Centro Televisivo Vaticano. (colocar na barra inferior do vídeo em "audio_por", para ouvir a tradução simultânea em língua portuguesa)
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